Um mergulho na história que nos convida a refletir sobre velhas práticas e discursos que, ainda hoje, oprimem e violentam pessoas em nossa sociedade. Com essa proposta, foi iniciada a roda de conversa “Diversidade, Direitos Humanos e Democracia”, realizada na noite desta terça-feira (17), no Centro Cultural do Legislativo. O evento gratuito reuniu especialistas e cidadãos em um momento de troca de experiências, aquisição de novos conhecimentos e desenvolvimento de uma consciência democrática, inclusiva e cidadã.
O diretor do Centro Cultural e Escola do Legislativo, o historiador e professor Dr. Meynardo Rocha de Carvalho, abriu o evento com a história de Eduardo Serrano. Eleito prefeito de Macaé em 1959, com larga maioria, foi retirado do cargo em 1960, com um impeachment votado pela Câmara de Vereadores. “Ele era conhecido como o ‘Pai dos Pobres’, mas desagradou a elite local, que conseguiu três laudos médicos atestando que ele era homossexual e, portanto, desequilibrado e incapaz de administrar a cidade”.
Na época, a homossexualidade constava no Código Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial da Saúde (OMS). Somente em 1990, devido a luta por direitos e a forte pressão da comunidade LGBT, o órgão revisaria o CID e deixaria de considerar a homossexualidade uma doença.
Para Meynardo, o que chama a atenção no impeachment de Serrano não é simplesmente a discriminação de um homem que sequer teve a comprovação de que era gay, já que ele nunca assumiu tal orientação sexual publicamente. “O que é mais flagrante é o desrespeito à vontade da grande maioria, que o elegeu em um processo democrático legítimo”.
Assim, alguns poucos políticos, fazendeiros e comerciantes locais, que representavam a elite de Macaé na ocasião, sob o pretexto de defender a ‘família macaense’, fizeram com que suas vontades e interesses prevalecessem em detrimento da maioria que o elegeu. “Por isso, a nossa democracia ainda é tão frágil. Nossa história está repleta de casos como esse. Temos um passado triste, marcado pela desigualdade, escravidão, pobreza e fome, em que uns poucos cidadãos impõem suas vontades, manipulam interesses e mantêm privilégios em detrimento da coletividade”, enfatizou o historiador.
Inclusão depende de toda a sociedade
O médico, psicólogo e professor da UFRJ, Dr. Miguel Soares de Brito Júnior, falou da conquista que é ter um Ambulatório LGBTQIA+ em Macaé. Segundo ele, esse tipo de atendimento especializado pelo SUS é recente na cidade. Hoje, funciona no Centro de Especialidades Dona Alba. “Muitos chegam lá adoecidos, hipermedicalizados, com um histórico de sofrimento e traumas causados pela discriminação e violência”.
Conforme esclareceu Miguel, até mesmo a classe médica não é devidamente preparada para lidar com essa população. “Eles não precisam de doses cada vez maiores de ansiolíticos e antipsicóticos. Eles precisam é de serem ouvidos, respeitados, empoderados. E a melhor maneira de fazer isso é conhecer a sua realidade e ampliar essa discussão para além do público LGBTQIAPN+”, disse.
Por que falar de diversidade
A professora de português Dra. Olívia de Melo Fonseca, que também é coordenadora do Núcleo de Gênero, Diversidade e Sexualidade do Instituto Federal Fluminense (IFF), acredita que todos deveriam falar de diversidade, sobretudo nas escolas. “Mas não é assim que acontece. Falta um espaço onde os jovens possam falar das suas vivências e, ainda hoje, alunos e professores são alvo de piadas homofóbicas”.
Olívia relatou que vem trabalhando com os estudantes o resgate de personagens históricos que foram marginalizados, justamente por não se encaixarem nos padrões estabelecidos da sua época. “A escola muitas vezes silencia a diversidade, mas também pode dar voz a ela. E sabemos que pessoas marginalizadas vão se silenciando, o que é muito violento”.
A professora propõe o reaprendizado da fala para a exposição da realidade que nos afeta, além do debate com toda a comunidade escolar. “Precisamos aumentar o discernimento não apenas entre os estudantes, mas também entre os professores, funcionários e famílias”. O evento vem ao encontro dessa proposta de libertar consciências e construir uma sociedade mais justa e inclusiva para todos.