Se nada for feito no presente, o futuro estará definitivamente comprometido. O alerta ambiental aconteceu durante audiência pública da Câmara de Macaé, na noite desta segunda-feira (4). Por meio de solicitação da vereadora Iza Vicente (Rede), o plenário recebeu pesquisadores, ativistas e autoridades para debater os riscos que envolvem a construção de 100 termelétricas no Brasil, sendo 11 somente na cidade.
Iza frisa que Macaé pode ter problemas ainda maiores no abastecimento de água com a vinda dos empreendimentos. “A população carente sempre é a mais prejudicada. Muitos bairros e distritos sequer possuem saneamento básico. Por isso, esse encontro é tão importante. Os próximos passos são organizar estratégias e cobrar posicionamentos dos órgãos licenciadores.”
A falta de água também resultará em graves consequências, como o aumento da temperatura e perdas de plantações. É o que revelam estudos apresentados pelo biólogo e membro do Conselho Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (COMMADS), Thiers Porfírio Wilberger. “Temos até 2025 para diminuir a emissão de gases de efeito estufa se quisermos evitar tudo isso.”
Doutor em Ecologia e pesquisador do Nupem/UFRJ, Rodrigo Lemes Martins enfatiza que outros desastres ambientais podem ocorrer nos próximos anos, como inundações severas. “Uma termelétrica afeta diretamente a sobrevivência das florestas”.
Integrante do Comitê de Bacia dos Rios Macaé e das Ostras, Maurício Mussi Molisani alerta para danos irreversíveis em afluentes de toda a região, incluindo a captação de água em Severina, na Serra.
Em defesa da vida
Bispo da Pastoral da Ecologia Integral, de Campos dos Goytacazes, Dom Roberto Francisco Ferreira Paz diz que negócios não podem estar acima da coletividade. “Se faltar água, faltará para todos. Elas (termelétricas) não resolvem e, sim, geram problemas. Somos contra a mercantilização da vida e do ar. Nossa luta é por uma energia sustentável.”
Termelétrica em números
Membro do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), Felipe Barcellos informou que uma usina termelétrica consome, diariamente, a quantidade de água que daria para abastecer uma cidade com 109 mil habitantes. “Para cada mil megawatss, 24 milhões de litros de água são gastos. Desse total, 70% acaba evaporando. Outro ponto é a poluição. Dados oficiais revelam que Macaé já apresenta índices que ultrapassam o limite indicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).”
Entre as participações do público, o professor Diego Malagueta concordou que é preciso pensar em alternativas de menor impacto ambiental. “Pelo mundo, há diversas termelétricas que funcionam com água salgada. É necessário ter estudos bem definidos sobre os locais de construção, pois considero que o Brasil precisa dessa fonte de energia. Existem, ainda, unidades que adotam o modelo de torres secas, sem a utilização de água.”
Ambientalistas apontam riscos
Com atuação em diversas partes do país, o Instituto Internacional Arayara também aponta grandes riscos sociais para Macaé com a chegada de termelétricas. De acordo com a analista ambiental e comunitária Katia Barros, a população de baixa renda, majoritariamente negra, é quem mais sofre.
“Historicamente, comunidades são extintas em nome de empreendimentos. É neste ponto que entra o racismo ambiental, pois o funcionamento de uma termelétrica afeta diretamente serviços básicos. Para termos uma ideia, mulheres negras representam 68% da população sem acesso à água. ‘A decisão de onde jogar o lixo está ligada à imagem que se tem da população em que você joga lixo’. Essa frase de Tania Pacheco (Projeto Mapa de Conflitos) é uma realidade”, disse.
Advogada do Arayara, Nicole Figueiredo de Oliveira frisou que a luta do instituto é por sobrevivência. “Em primeiro lugar, é muito importante ver tantas mulheres presentes em um debate que geralmente é feito por homens. Todos devem ter a consciência de que poderemos estar diante de um colapso ambiental sem volta nos próximos três anos”.
Nicole também afirma que uma termelétrica em funcionamento gera apenas uma média de 50 empregos diretos, ou seja, sem ganho relevante para a sociedade. “Planejam 11 em Macaé, mas a cidade não suporta uma sequer. Não há água disponível para esses empreendimentos. Iremos em busca de responsabilidade jurídica e criminal para os envolvidos”, acrescentou.
Caso é acompanhado pelo MPF
Dois procuradores do Ministério Público Federal (MPF) participaram dos debates. Para Flávio Reis, o tema é complicado e as pessoas devem estar cientes dos riscos ao ecossistema. Fábio Brito Sanches disse que o órgão abriu investigações para analisar os projetos que estão sem os devidos estudos de impactos.
“Solicitamos informações do Inea (Instituto Estadual do Ambiente), mas há dificuldades para acessarmos as respostas e muitos dados estão desatualizados. Já o Ibama não indicou se havia uma avaliação global sobre as termelétricas no país.”
A audiência está disponível na íntegra. Confira abaixo: